Sonhos ou Desgraça?
Se o seu sonho não inclui as suas responsabilidades e a execução delas, ele não é sonho — é desgraça.
A imaturidade das pessoas respinga na vida de quem está por perto. Eu adoro ‘seguir’ — termo que até acho estranho, mas é assim que fala nas redes sociais — pessoas inteligentes, que escrevem artigos, compartilham ideias e investem em si mesmas para contribuir com um mundo melhor. Foi através da minha sobrinha querida que conheci o trabalho de Samer Agi, que tem feito algo lindo: ajudar o mundo a ser mais inteligente e, consequentemente, mais justo. Ele nos provoca a pensar, e foi justamente em um de seus carrosséis no Instagram que me deparei com um texto que me sacudiu.
Samer escreveu sobre uma situação:
“Seu amigo quer largar o trabalho para tirar um ano sabático e gastar a reserva que fez. Ele se vê em Lisboa, Praga, Nice. Quer viver a Europa. O problema é a realidade. O amigo tem 40 anos, um filho de 12 (que mora com a ex) e pais doentes (que moram sozinhos). Mas ele disse que vai. É sonho. E quer saber sua opinião. O que você diz?
O mundo diz: “se é seu sonho, vá”. Mas o mundo não presta. E você?
Nem tudo que é possível em uma fase é possível em outra. Querer não é poder. Querer, às vezes, é só querer mesmo. Cuidado para a frase motivacional não motivar a tragédia. Se o seu sonho prejudica seu filho, quiete o facho e largue a ideia de jerico. O erro do homem é pretender viver uma fase estando em outra.
“Ah, mas eu não aproveitei”. Parabéns. Você e 99% da população.
“Ah, mas eu nunca fui a uma micareta”. Sorte sua. Sorte nossa. Se o seu desejo for ruim, deixe-o. É melhor passar vontade do que fome.
E, se o seu amigo concorda com todas as suas ideias, saiba: ele não é seu amigo.”
Uau! Que texto. E é isso que um bom texto faz: cutuca, incomoda, desperta. Ele me fez refletir sobre como muita gente ao redor — próxima ou distante — vive embalando essa ladainha do 'sonho acima de tudo'.
Infelizmente, a desculpa do ‘sonho’ tem sido usada como aval para abandonar obrigações e responsabilidades. Já vi pessoas até mesmo em trabalhos voluntários negligenciando a própria família em nome de ‘ajudar os outros’— quando, na prática, estavam destruindo a própria casa.
Pior ainda: estamos criando uma geração sob a ótica torta desse “eu só quero que você seja feliz”. Pais se endividam para bancar viagens, festas, iPhones, experiências superficiais, cultivando uma vida vazia onde só o sonho importa. Quando foi que nos perdemos a esse ponto? Quando passamos a correr atrás de sonhos caros e ocos, em vez de valores sólidos?
Um sonho só vale a pena se edifica a vida — a sua e a daqueles que dependem de você. Não no tempo errado, não de forma egoísta.
Quem não se conhece torna-se presa fácil dessas ilusões: vive à deriva, se agarrando a boias no mar, mas ninguém sobrevive para sempre em alto-mar. Mais cedo ou mais tarde é preciso buscar terra firme. Trocar uma boia por outra não sustenta. Uma hora o corpo cansa e afunda.
Esses ‘sonhos’ fora de hora fazem exatamente isso: afundam. Vejo mulheres entrando em relacionamentos que mais machucam do que curam, achando que ‘merecem’. Esse conceito torto de merecimento é outra boia furada que só arrasta mais fundo.
Filhos são abandonados dentro de casas cheias de brinquedos, celulares e tudo de ‘melhor’, enquanto os pais vivem sonhos egoístas. Pessoas escancarando suas vidas nas redes sociais, almas vazias justificadas pelo discurso de ‘ajudar o próximo’. Outros trocam estruturas familiares inteiras por uma noite de paixão, em nome de um sonho fugaz. E assim, o ‘sonho’ vira tragédia.
Samer deixou para nós o retrato dessa geração que confunde sonho com irresponsabilidade. Para quem tem o privilégio de captar a profundidade de textos assim, eles são um presente — sementes que, quando caem em terra fértil, germinam e frutificam.
O mundo precisa de mais pessoas como ele: que transformem inteligência em fruto. Mas também precisa de nós, despertos, dispostos a encarar a verdade: só quando assumimos nossas responsabilidades é que conseguimos realizar os sonhos que realmente valem a pena. Porque o mundo não está carente de sonhadores. O mundo está sedento de pessoas responsáveis.
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