A Beleza Que Só O Tempo Dá


 

Em meio à exaltação burra da juventude, a velhice desponta com uma inteligência sobrenatural.

Quando tinha uns vinte e poucos anos, eu era fã do U2. Ainda sou, mas naquela época sabia quando um álbum ia ser lançado, fui ao show e, mais que tudo, achava o Bono Vox o "homem mais lindo da face da Terra". O tempo passou, outras prioridades chegaram, e continuei curtindo U2 de longe. Sempre me encantei com o som, os músicos, a voz impecável do Bono e os shows com aquela tecnologia arrebatadora. Hoje, aos 44 anos, vejo que a beleza do envelhecer é ainda mais fascinante.

Essa semana, ao ver no Globoplay uma entrevista do Bono Vox no Conversa com Bial, hoje com 65 anos, deparei-me com o “homem mais lindo do mundo” — e fiquei surpresa ao ver a nova beleza dele, algo que aquela jovem de vinte anos jamais poderia imaginar. Vi o Bono e constatei que o colágeno vai nos abandonando, que os sinais da idade são inegáveis, que o tônus muscular já não é o mesmo. E percebi que a beleza física, por mais que não seja igual, transcende.

O envelhecer nos permite ver aquilo que ficou, e isso não tem nada de triste. Pelo contrário: expõe os resultados das nossas escolhas, para o bem e para o mal — o que é real, sem ilusões. A velhice é calma, caminha em outro ritmo, assim como o meu ídolo da juventude hoje fala mais manso. Em um corpo cada vez mais frágil, o envelhecer escancara aquilo que plantamos: nossos frutos reais. Permite que façamos as pazes com aquilo que não conseguimos ganhar, e tudo bem. Quem disse que aquele sonho nos pertencia?

Bono falou da sua relação com o pai e do perdão que teve que dar depois da morte dele, em uma igreja na França. O envelhecer nos permite, se quisermos, perdoar a nós mesmos pelas besteiras cheias de certezas que tivemos na juventude. Entender que o perdão ao outro começa conosco.

Claro que, em uma cultura que exalta a juventude de forma burra, se você não mudar sua visão sobre o envelhecer, essas horas em que a velhice se escancara podem dar um tilt na cabeça. Você pode até achar que não fez nada — mas fizemos sim. E o mais interessante do envelhecer é saber que podemos continuar fazendo, só que agora de forma madura, com os pés no chão. Isso cabe a cada um acreditar ou não.

Vendo o Bono, constatei, mais uma vez, que gosto do envelhecer. Porque ele nos permite ser quem somos, sem ilusões: uma realidade verdadeira daquilo que somos e do que estamos dispostos a dar pelo que queremos. Sim, ficamos mais seletivos, enxergamos o que realmente vale a pena.

Olhando para Bono, vi que a velhice é frutífera quando entendemos o que ela é. Basta estar nela de forma respeitosa e aberta. Isso não é aceitar o que restou — muito pelo contrário. Ela é produtiva, e só quem chega até ela pode colher esses frutos. A velhice pode ser um prêmio doce que o Criador nos prepara, mesmo em um mundo que valoriza apenas a beleza da juventude.

Se eu achei o Bono de 65 bonito? Lindo, mesmo com todas as rugas. Porque a beleza do envelhecer nos brinda com uma sabedoria que nenhum recurso estético é capaz de dar. Que possamos encontrar, no passar dos nossos anos, a beleza que nos está reservada — e mostrar para a juventude que, se a vida começa aos 40, se renova a cada ano, até o último dia em que estivermos aqui.


Comentários

  1. Que reflexão linda obrigado pelas sábias palavras

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  2. Amei o texto, Nu. Você sempre genial em suas observações e visão de mundo

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